Matéria Extra* – Um mergulho nos oito passos do Yoga

“No Yoga, Yama significa controle ou domínio, é a prática da não violência e da verdade, dois princípios que nortearam Mahatma Ghandi”

(Danilo Santaella)

*Essa matéria é um complemento da matéria Yoga e Ciência, não sendo um conteúdo de tradução do conhecimento científico convencional.

Redação: Katia Machado

Revisão: Caio Portella, Ricardo Ghelman, Gelza Nunes

Remontar sua história é uma tarefa árdua, uma vez que a origem do yoga se confunde com o surgimento de antigas civilizações. O objetivo dessa antiga ciência é unir o corpo, a mente e o espírito, possibilitando à pessoa se reconectar com a sua verdadeira essência. Não por um acaso, o termo de origem sânscrita, língua presente na Índia e no Nepal, significa “unir” ou “integrar”. “Seus primórdios estão ligados à história da Índia, que foi o berço da civilização urbana e é a mãe criadora de um vasto universo de ciências e elementos que integram a vida cotidiana dos seres humanos”, realça Santaella. 

Ele ensina que não se sabe ao certo quando surge este sistema filosófico prático, que nasce como forma de autoconhecimento. “Sabe-se apenas que o yoga é milenar, que seu conhecimento se propagou pela tradição oral, passado de geração em geração de mestres”, diz, citando como exemplo o registro histórico de um selo de argila, datado por volta de 3.500 a.C., encontrado em uma antiga escavação, no subcontinente indiano, que retrata uma pessoa sentada em postura de meditação, com algo saindo da cabeça e um colar de sementes, remetendo à figura de Shiva, que segundo a mitologia é também chamado de Mahayogi (Supremo Mestre do Yoga). 

Esta ciência, portanto, foi organizada ao longo dos milênios. Um dos tratados mais conhecidos, sistematizado pelo mestre Patanjali, por volta dos 300 ou 400 anos a.C., apresentando os ensinamentos de tradição oral em 196 frases (aforismos), é o Yoga Sutra. Esta obra versa sobre o caminho da prática, dando ênfase à conquista de estados meditativos, e propõe oito passos (ashtanga yoga) para se chegar à compreensão sobre a natureza do eu, encontrar o estado de paz e a tranquilidade interna. Os oito passos do Yoga Sutra são: yama; niyama; asana; pranayama; pratyahara; dharana; dhyana; e samadhi.

Como ensinam os pesquisadores ouvidos neste artigo, o yama diz respeito a tudo aquilo que devemos evitar para avançar no caminho. “Yama significa controle ou domínio, é a prática da não violência e da verdade, dois princípios que nortearam Mahatma Ghandi”, exemplifica Santaella. Resumidamente, este passo implica cinco proscrições: não usar nenhum tipo de violência (ahinsa); falar a verdade (satya); não roubar (asteya); não desvirtuar a sexualidade (brahmacarya); e não se apegar (aparigraha).

O niyama diz respeito a prescrições psicofísicas, àquilo que devemos cultivar. Este passo compreende cinco disciplinas: a purificação (śaucan); o contentamento (santoa); a austeridade ou esforço sobre si próprio (tapas); o estudo de si próprio (svadhyaya); e a consagração a Isvara, o Ilimitado (Isvarapranidhana). Nas palavras de Deveza, é a conduta ética que se tem em relação a si mesmo. 

O terceiro passo (asana) é assentar-se em posturas, buscando firmeza e conforto. De acordo com Santaella, na postura, é preciso aplicar tudo que vem antes. Ou seja, “não violentar o próprio corpo, respeitar seus limites, ser puro nas intenções”. O professor de yoga segue explicando os passos seguintes: “A pranayama é o processo de expansão da energia vital, usando a respiração”. É, conforme ensina Deveza, equilibrar a energia vital através da respiração. 

O quarto passo do Yoga Sutra remete aos exercícios que preparam para o estágio meditativo ou a dissolução do ego. “Para os reencarnacionistas, a exemplo dos hindus, é uma forma de escapar da reencarnação em morte. Para eles, reencarnar não é um prêmio, trata-se de um resgate, e o estágio meditativo significa escapar disso”, detalha Santaella.

A intenção original da asana e da pranayama é equilibrar o fluxo da energia no organismo, e prepará-lo para os passos seguintes. Santaella diz que o objetivo do yoga não é ficar mais flexível, mas sim ficarmos confortáveis, para que nossa essência esqueça da própria mente. “Nos serve para que deixemos de ser individualistas. Por isso, que o estado meditativo acontece, não praticamos a meditação”, ratifica.

O quinto passo do tratado de Patanjali é o pratyahara, ou seja, a retração dos sentidos. Trata-se da faculdade de liberar a atividade sensorial do domínio das imagens exteriores. “Você foca em si mesmo e o que está no entorno não é importante”, ensina Santaella. Esta técnica serve para desvincular-nos da invasão das coisas do mundo exterior.

“Você percebe seu papel de unidade no universo, não causa prejuízo a si, nem aos outros e entende que é uma peça útil”

(Cesar Deveza)

O dharana, que é a concentração em um ponto só, se faz para limitar a atividade da consciência ao interior da imagem sobre a que se está meditando. Este passo consiste no direcionamento da atenção, guiada pelos passos anteriores. O penúltimo passo do caminho é o Dhyana, a meditação em si. Esta técnica consiste em parar o fluxo do pensamento. Segundo os especialistas, a meditação é o resultado espontâneo da concentração da consciência, e constitui a preparação necessária para atingir o objetivo do Yoga, a libertação (moksa).

Por fim, o samadhi é a absorção meditativa, final do processo gradual de introspecção promovido pelas práticas. “É o estado de meditação mantido”, resume Santaella. Deveza completa que ao aplicar os oito passos da yoga, a pessoa entende de que matéria o universo é feito. “Você percebe seu papel de unidade no universo, não causa prejuízo a si, nem aos outros e entende que é uma peça útil”, resume.

 

Propósito do Yoga

De acordo com Deveza, o Yoga tem uma base metafísica, o Sankhya, que é um dos sistemas mais antigos e influentes da filosofia hindu clássica. “A proposta principal do Sankhya é a compreensão dos mecanismos de prevenção do sofrimento humano. O objetivo do Yoga é prevenir o sofrimento e, consequentemente, o não adoecimento do corpo e da mente”, descreve.

O médico explica que o sofrimento se dá por três motivos: desequilíbrio; expectativa; e decepção. O desequilíbrio resulta do fato de as pessoas não perceberem seu papel no universo e, por isso, acabam promovendo ações devastadoras para elas próprias e para o ambiente que a cerca. A expectativa diz respeito ao que a pessoa estabelece e espera que o universo pode dar. “Mas quando se é consciente de si mesmo, eu passo a perguntar o que tenho a oferecer para o universo e o que as pessoas esperam de mim, e não sofro pelo o que o universo poderia me oferecer e não fez”, detalha.

Segundo o médico, o sofrimento é também causado pela decepção com alguém ou com uma situação.

“O universo é feito de partes opostas. Quando você tem uma experiência, seja ela qual for, a primeira coisa que sua massa psíquica irá determinar é se essa experiência foi prazerosa ou não. Se foi agradável, você quer que essa experiência se realize sempre, e, mesmo que esteja usufruindo, você aciona o mecanismo do sofrimento por conta do medo de acabar essa experiência. O inverso também acontece: se teve uma experiência ruim, você não quer que isso nunca mais aconteça com você”, explica. 

Ele realça que a pessoa não irá conseguir a todo tempo coisas e situações que agradam, nem conseguirá manter distante tudo que lhe desagrada. “Esse é um mecanismo importante de sofrimento. Mas quando você percebe que é uma unidade no universo e entende o papel de tudo que acontece, aprende com o que é prazeroso, bem como com as dificuldades que surgem. Você não terá aquela ânsia de se livrar do que é difícil, tampouco se prenderá com aquilo que te dá muito prazer, apenas desfrutará daquele momento”, ensina.

Variações da prática

Existem diversos ramos do yoga, e cada um possui ações e atividades diferentes para trabalhar com os indivíduos. Considerado como yoga clássico, o Hatha Yoga se tornou um dos tipos mais populares do ocidente, porque a prática é focada no condicionamento físico, no fortalecimento do corpo e no aumento da flexibilidade. Durante as aulas, não são realizadas tantas posturas e elas não são tão intensas. Especialistas o indicam para aquelas pessoas que pretendem começar a se aventurar no yoga e a conhecer melhor a prática e seus benefícios.

O Ashtanga é uma ramificação desenvolvida a partir do Hatha. As práticas de Ashtanga envolvem seis séries de posturas fixas, que vão sendo desenvolvidas pelo praticante ao longo do tempo e de acordo com a capacidade do corpo de executar cada uma das posições. Seus principais benefícios estão associados ao ganho de força, à flexibilidade, ao equilíbrio, à consciência corporal e ao alinhamento. 

Derivado do Hatha, o Vinyasa Yoga é um dos chamados estilos contemporâneos. Sua prática se baseia na execução de posturas em flow, ou seja, seguindo uma sequência de movimentos que se juntam quase como em uma coreografia, estabelecendo um fluxo contínuo de posições. 

O Kundalini é um tipo de yoga mais voltado para o trabalho espiritual e para a conexão entre corpo, mente e espírito através da realização de atividades físicas. É um estilo mais contemplativo, reflexivo e individual de yoga. Nesta prática, a respiração é um elemento fundamental, porque acredita-se que, unindo as posturas e os exercícios de respiração, é possível equilibrar os chacras que vão desde a base da coluna até o topo da cabeça. 

O Raja Yoga está voltado, também, para o lado espiritual do praticante. A prática não tem como foco as posturas intensas ou as sequências de asanas muito desafiadoras.desafiadores. As aulas são voltadas para a parte emocional do praticante, especialmente àquele que já tem o hábito de meditar. Por sua vez, a execução das posturas e o alinhamento de cada um dos movimentos é o foco de outra ramificação desta prática, nomeada Iyengar Yoga.

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