As contribuições das práticas integrativas para o Diabetes mellitus

Estudos científicos comprovam a eficácia da yoga, da meditação, da acupuntura, da auriculoterapia, das práticas corporais chinesas e das plantas medicinais no tratamento da diabetes, doença que atinge milhões de pessoas no mundo. A ciência mostra que os recursos integrativos e complementares de saúde ajudam a controlar os índices de glicemia, minimizando complicações, como infartos e amputações.

Redação: Katia Machado

Revisão: Ricardo Ghelman, Gelza Matos Nunes e Caio Portella

No dia 14 de novembro, comemora-se o Dia Mundial do Diabetes. A data alerta para um cenário bastante preocupante: a doença que atinge milhões de pessoas segue em ascensão, inclusive no Brasil, estando no topo da lista das doenças crônicas não transmissíveis e consumindo 10% dos gastos em saúde pública no mundo. Somente o tipo 2 é responsável por quase 90% dos casos da doença e afeta um em cada 11 indivíduos na faixa etária entre 20 e 79 anos, ou seja, mais de 450 milhões de pessoas em todo mundo, segundo a nona (e mais recente) edição do Atlas de Diabetes, produzido em 2019 pela International Diabetes Federation (IDF). Trata-se de uma condição preocupante, pois a doença pode resultar em infarto do miocárdio, amputações, insuficiência renal e danos à retina, com consequente cegueira em função dos severos danos à microcirculação, quando não bem controlada. Diferente do diabetes tipo 1, de caráter autoimune, que ocorre geralmente antes dos 20 anos e depende de insulina injetável para o tratamento, o diabetes tipo 2 está associado ao estilo de vida moderno urbano, ao stress, ao sedentarismo, a uma alimentação com alto índice glicêmico e calórico e ao sobrepeso. 

De acordo com o documento da IDF, o mundo contabilizou uma média de crescimento de 9% nos últimos dois anos, ou seja, de 38 milhões de diabéticos a mais em comparação a 2017. Se o ritmo for mantido, o diabetes mellitus poderá alcançar 578 milhões de adultos, no ano de 2030, e 700 milhões, em 2045. Apenas no Brasil, foi registrado um aumento de 31% de 2017 a 2019. O 9º Atlas de Diabetes revela que foram identificados, por aqui, 16,8 milhões de adultos com diabetes tipo 2, colocando o país no quinto lugar em um ranking de 138 países, atrás apenas da China, Índia, EUA e Paquistão. Além desses, 95.800 crianças e adolescentes foram identificadas com diabetes tipo 1, posicionando o Brasil no terceiro lugar no ranking do tipo 1, atrás apenas dos EUA e Índia.  O relatório do IDF ainda alerta que, por conta da doença, cerca de um milhão de brasileiros diabéticos poderão desenvolver úlceras, podendo levar a 200 mil amputações, das quais cerca de 40 mil poderão levar o indivíduo a óbito. 

A doença impacta também o orçamento da saúde, como sublinha a nona edição do Atlas de Diabetes. Segundo o documento da IDF, a enfermidade sozinha foi responsável por cerca de US$ 760 bilhões em gastos com saúde no mundo em 2019. O Brasil se destacou, mais uma vez, neste quesito, ocupando o quarto lugar entre os dez países que mais gastou com a diabetes mellitus: um montante de US$ 50 bilhões. Ao Sistema Único de Saúde (SUS), cada diabético custa, em média, 3.117 dólares por ano, ou seja, aproximadamente 17 mil reais.

Práticas que auxiliam o controle da diabetes

A prevenção e o controle são, portanto, as palavras de ordem para esta doença altamente prevalente no mundo, que estão ao alcance das políticas públicas de saúde. Os Mapas de Evidências Clínicas em Medicinas Tradicionais, Complementares e Integrativas (MTCI), um projeto de sistematização de um amplo universo de estudos científicos sobre as aplicações clínicas das práticas integrativas e complementares em saúde (PICS) sobre problemas que acometem a população mundial, apontam para diferentes desfechos clínicos que podem contribuir para o controle da diabetes.  

Este mapeamento, que tem a orientação do Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde (Bireme/OPAS/OMS) e do Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa (CABSIN), com o apoio da Coordenação Nacional da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares do Ministério da Saúde (CNPIC), revela, por exemplo, que a yoga, a meditação, a acupuntura, a auriculoterapia, as práticas corporais chinesas e as plantas medicinais, aplicadas aqui e em várias partes do mundo, possuem eficácia comprovada cientificamente no tratamento de indivíduos diabéticos. “Novos paradigmas de prevenção e cuidado do diabetes são criticamente necessários, porque as normas atuais são eficazes. A outrora fantástica noção de um paradigma de gestão do diabetes, por meio do qual as pessoas comem alimentos integrais, retiram medicamentos naturais de seus jardins e cozinhas, praticam yoga e meditação de atenção plena para controlar seu estresse e gerenciar suas relações sociais, não é mais uma fantasia idílica. Está baseada em evidências científicas”, sublinha Ryan Bradley, pesquisador especialista em diabetes nos Estados Unidos(1).

Considerando que o stress crônico eleva a glicemia através do hormônio cortisol (glicocorticoide) e que os músculos não necessitam de insulina para que a glicose entre nas células musculares, esses achados científicos mostram que as atividades físicas associadas a exercícios de relaxamento, como o Tai Chi e a Yoga,  possuem papel fundamental ao lado de hábitos saudáveis de alimentação, que incluem ingestão de fibras, verduras, frutas e carboidratos com baixo índice glicêmico, provenientes de cereais integrais e tubérculos da dieta tradicional brasileira. Além disso, a visão sistêmica ampliada sobre o problema, com base em achados epidemiológicos, mostra que os mesmos indivíduos acometidos pela diabetes tipo 2, face a um estilo de vida moderno estressante e sedentário, são os mesmos que desenvolvem hipertensão arterial, obesidade e aumento de colesterol. A este conjunto de alterações se dá o nome de síndrome metabólica, considerado o grande fator de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares, portanto passíveis de prevenção mediante hábitos mais saudáveis (2,3).  

Segundo uma das pesquisas mapeadas por este projeto, a yoga está associada a melhorias significativas na glicemia, no perfil lipídico, na pressão arterial, no índice de massa corporal (IMC), na relação cintura/quadril e nos níveis de cortisol (4), corroborando seu benefício não apenas para o diabetes como também para a síndrome metabólica como um todo. Da mesma forma, a acupuntura mostra-se igualmente benéfica no controle sobre a glicemia de jejum, a glicemia após duas horas no teste de tolerância à glicose e a hemoglobina glicada, conforme revisão sistemática publicada em 2019 que avaliou os efeitos desta prática sobre as pessoas com diabetes tipo 2 (5). O controle da glicemia e da obesidade ocorreram de forma sinérgica em direção a uma melhor condição de saúde integral e metabólica. 

Por sua vez, a meditação de atenção plena, conhecida por mindfulness, cuja eficácia também foi verificada cientificamente no tratamento da depressão e da ansiedade, apresenta efeitos positivos sobre a diabetes mellitus tipo 2, demonstrados pela redução da hemoglobina glicada (HbA1c) (6). O exame HbA1c, que avalia a média inferida da glicemia nos três meses anteriores ao exame, possui um valor preditivo, identificador e de controle do diabetes. 

Recursos terapêuticos promissores para a diabetes

A auriculoterapia, tendo crescido significativamente no Brasil, em termos de acesso na Atenção Primária à Saúde do SUS, saltando de 40.818 para 423.774 números de atendimentos, entre 2017 e 2019, segundo relatório do Ministério da Saúde, comprova tal constatação. Segundo os Mapas de Evidências em MTCI/PICS, que apontou que este recurso integrativo já se mostrou eficaz no tratamento da hipertensão, tem efeitos positivos comprovados sobre os fatores de risco para a diabetes. Conforme um estudo de 2005 sobre a aplicação desta prática em indivíduos com sobrepeso e obesidade em vários países, como Índia, Estados Unidos, Canadá, Europa, Austrália, Japão e Tailândia, revelou que a auriculoterapia foi eficaz para o diabetes conjuntamente com a redução de peso corporal, do índice de massa corporal (IMC), da circunferência da cintura, da relação cintura-quadril e do percentual de gordura corporal.

Vários estudos presentes nos Mapas de Evidências Clínicas em MTCI/PICS destacam ainda os benefícios das práticas corporais da Medicina Tradicional Chinesa, como o Tai Chi Chuan e o Qi Gong, no controle do diabetes tipo 2. Estas práticas corporais, caracterizadas por movimentos suaves, harmônicos, integrados e de ritmo lento, têm como finalidade estimular e promover uma melhor circulação de energia vital no corpo, visando entre outros propósitos tratar doenças, promover a saúde e a longevidade. Os estudos demonstram que atuam na melhoria da qualidade de vida, na redução do sobrepeso, obesidade e sobre indicadores metabólicos, como hemoglobina glicada, glicemia em jejum, testes de tolerância à glicose de duas horas, nos níveis da molécula pró-insulina peptídeo C, insulina em jejum, assim como nos triglicerídeos e no colesterol total (7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15). Estas práticas que aliam movimento e relaxamento são as PICS mais empregadas pelo sistema municipal de saúde na metrópole São Paulo, por exemplo, com potencial de expansão em larga escala para todo Brasil. 

Trata-se de um contexto complexo. As comorbidades do diabetes vão além das complicações vasculares, implicando, por vezes, aumento da carga de problemas de saúde mental, como depressão e ansiedade. No tratamento dessas comorbidades, destacam-se as plantas medicinais. O estudo randomizado e controlado do extrato de açafrão para ansiedade e depressão e distúrbios do sono consequentes da diabetes 2 (16), mostra melhoria significativa com uma dose de 30 mg/dia de um extrato derivado da planta. Yunes Panahi junto com outros autores também revelam (17), estudo em que demonstra a eficácia do açafrão (com  piperina, para potencializar sua absorção) na melhora dos níveis séricos de  lipídios em pacientes com diabetes tipo 2, contribuindo para a redução de risco cardiovascular dos pacientes com a doença.

O artigo do pesquisador indiano Harshika Awasthi juntos com outros especialistas (18), fazendo uso de uma metodologia rigorosa de bioestatística e focalizando medidas de resultados clínicos no tratamento de diabetes, por sua vez, compara diretamente a terapia medicamentosa de primeira linha para diabetes tipo 2, metformina, com um fitoterápico ayurvédico, mostrando resultados eficazes do fitoterápico ​​nos níveis de glicose após jejum,  pós-prandial e hemoglobina glicada A1c (HbA1c). Utilizando, também, metodologia científica rigorosa de ensaio randomizado controlado, o pesquisador americano Daniel Riche e colaboradores (19) testaram o extrato de folha de amoreira, demonstrando melhorias significativas na tolerância à glicose pós-prandial e reduções de HbA1c a curto prazo. Ainda, a revisão sistemática sobre o composto de extrato de Cardo Mariano e cúrcuma, de Amir Hadi junto com outros pesquisadores (20), fornece suporte adicional para medicamentos fitoterápicos por resultar em melhorias glicêmicas e lipídicas na diabetes. 

Referências 

  1. Bradley, R. (2019). CTIM special issue on type 2 diabetes mellitus. Complementary therapies in medicine, 45, A1.
  2. López-Jaramillo Patricio, Sánchez Ramiro A., Diaz Margarita, Cobos Leonardo, Bryce Alfonso, Parra-Carrillo Jose Z. et al. Consenso latino-americano de hipertensão em pacientes com diabetes tipo 2 e síndrome metabólica. Arq Bras Endocrinol Metab  [Internet]. 2014  Apr [cited  2020  Oct  28] ;  58( 3 ): 205-225.
  3. Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes da sociedade brasileira de diabetes 2019-2020. [Internet] Editora científica. 491 p. [acesso em: 10 jul. 2020]. 
  4. Thind H, et al. The effects of yoga among adults with type 2 diabetes: A systematic review and meta-analysis. Prev Med. 2017;105:116-126.
  5. Chen C, Liu J, Sun M, Liu W, Han J, Wang H. Acupuncture for type 2 diabetes mellitus: A systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Complement Ther Clin Pract. 2019; 36:100-112.
  6. Alex GB, et al. Efectividad de intervenciones basadas en Mindfulness para mejorar el control de la Diabetes Mellitus tipo 2: Uma revisión sistemática e integración metanalitica preliminar. Ter. psicol; 37(1): 53-70, abr. 2019.
  7. Innes KE, Bourguignon C, Taylor AG. Risk indices associated with the insulin resistance syndrome,  cardiovascular disease, and possible protection with yoga: a systematic review.  J Am Board Fam Pract. 2005;18(6):491–519.
  8. Zhou Z, et al. Effects of tai chi on physiology, balance and quality of life in patients with type 2 diabetes: A systematic review and meta-analysis. J Rehabil Med. 2019;51(6):405-417.
  9. Song G, Chen C, Zhang J, Chang L, Zhu D, Wang X. Association of traditional Chinese exercises with glycemic responses in people with type 2 diabetes: A systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. J Sport Health Sci. 2018;7(4):442-452.
  10. Lee MS, Chen KW, Choi TY, Ernst E. Qigong for type 2 diabetes care: a systematic review. Complement Ther Med. 2009; 17(4):236-242.
  11. Chao M, Wang C, Dong X, Ding M. The effects of Tai Chi on type 2 diabetes mellitus: a meta-analysis. Journal of Diabetes Research, vol. 2018. 2018.
  12. Freire MDM, Alves C. Therapeutic Chinese exercises (Qigong) in the treatment of type 2 diabetes mellitus: A systematic review. Diabetes Metab Syndr 2013; 7(1): 56-9.
  13. Xin L, Miller YD, Brown WJ. A qualitative review of the role of qigong in the management of diabetes. J Altern Complement Med. 2007; 13(4):427-433.
  14. Meng D, Chunyan W, Xiaosheng D, Xiangren Y. The Effects of Qigong on Type 2 Diabetes Mellitus: A Systematic Review and Meta-Analysis. Evid Based Complement Alternat Med. 2018; 2018:8182938.
  15. Nash J, Armour M, Penkala S. Acupuncture for the treatment of lower limb diabetic peripheral neuropathy: a systematic review. Acupunct Med. 2019 Feb;37(1):3-15. doi: 10.1136/acupmed-2018-011666.
  16. Milajerdi, A., Jazayeri, S., Shirzadi, E., Hashemzadeh, N., Azizgol, A., Djazayery, A., … & Akhondzadeh, S. (2018). The effects of alcoholic extract of saffron (Crocus satious L.) on mild to moderate comorbid depression-anxiety, sleep quality, and life satisfaction in type 2 diabetes mellitus: A double-blind, randomized and placebo-controlled clinical trial. Complementary therapies in medicine, 41, 196-202.
  17. W. Panahi, Y., Khalili, N., Sahebi, E., Namazi, S., Reiner, Ž., Majeed, M., & Sahebkar, A. (2017). Curcuminoids modify lipid profile in type 2 diabetes mellitus: a randomized controlled trial. Complementary therapies in medicine, 33, 1-5.
  18. Awasthi, H., Nath, R., Usman, K., Mani, D., Khattri, S., Nischal, A., … & Sawlani, K. K. (2015). Effects of a standardized Ayurvedic formulation on diabetes control in newly diagnosed Type-2 diabetics; a randomized active controlled clinical study. Complementary therapies in medicine, 23(4), 555-561.
  19. Riche, D. M., Riche, K. D., East, H. E., Barrett, E. K., & May, W. L. (2017). Impact of mulberry leaf extract on type 2 diabetes (Mul-DM): a randomized, placebo-controlled pilot study. Complementary Therapies in Medicine, 32, 105-108.
  20. Hadi, A., Pourmasoumi, M., Mohammadi, H., Symonds, M., & Miraghajani, M. (2018). The effects of silymarin supplementation on metabolic status and oxidative stress in patients with type 2 diabetes mellitus: a systematic review and meta-analysis of clinical trials. Complementary therapies in medicine, 41, 311-319.