Medicina Antroposófica: do que estamos falando?

O pensamento ampliado da medicina antroposófica e sua capacidade de entender o paciente como um ser físico, vital, anímico e espiritual tornam a abordagem médica sobre o indivíduo diferenciada e integral.

Redação e edição: Katia Machado

Revisão científica: Ricardo Ghelman, Gelza Matos Nunes e Caio Portella

A Medicina Antroposófica integra e amplia a medicina convencional, tendo como ponto de partida a concepção antroposófica do ser humano, ou seja, de que se trata de um ser físico, vital, anímico e espiritual (1,2). A abordagem médica segue os princípios da medicina convencional, em relação ao encontro clínico (anamnese e exame físico), à utilização de métodos de diagnóstico e, também, de medicamentos alopáticos, quando necessários, considerando que o ser humano é um microcosmo que vive em íntima relação com o macrocosmo. “A medicina antroposófica é a ampliação da medicina convencional, que, desde sua origem, adotou um modelo complementar e integrativo, antes deste conceito ter sido cunhado na virada do século 20 para o 21”, explica a médica Iracema de Almeida Benevides, especialista em Antroposofia, Homeopatia e Nutrologia e vice-presidente da Federação Internacional das Associações de Medicina Antroposófica (IVAA). De acordo com ela, o médico antroposófico busca elaborar um diagnóstico do ponto de vista físico, como assim faz a medicina convencional, e, também, do ponto de vista emocional e da sua individualidade.

A anamnese antroposófica inclui perguntas específicas, capazes de gerar informações sobre vitalidade, autorregulação, relação sono-vigília, fisiologia dos diferentes sistemas orgânicos, temperamentos, aspectos psicossomáticos, da personalidade e do momento biográfico, entre outros (3). O médico antroposófico Ricardo Ghelman, que é pediatra, oncologista pediátrico, presidente do Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa (CABSIN) e autor principal do artigo Ficha Clínica Antroposófica (3), detalha que a anamnese antroposófica possui todos os dados de um diagnóstico convencional, adicionando o contexto da biografia por setênios e agrupando sintomas por sistemas, e, no exame físico, além da avaliação antropométrica, dos dados vitais e de exame dos sistemas, busca-se observar a integração saudável entre os elementos físico, líquido, aéreo/gorduroso e calórico/imunológico do indivíduo.

“Os exames laboratoriais e de imagem contribuem para a construção do diagnóstico ampliado. A construção do plano terapêutico vai considerar aspectos farmacológicos e não farmacológicos”, exemplifica Ghelman.

Na prática, diz Benevides, é ter a capacidade de entender o paciente de maneira mais ampla e considerar outros aspectos do ser humano no seu quadro clínico, que vão além da doença. Ela dá como exemplo o olhar do médico antroposófico sobre a enxaqueca:

“A doença implica a deficiência na realização de todas as etapas do metabolismo, criando uma inflamação com vasodilatação em um ponto cefálico. A grosso modo, vamos fortalecer o metabolismo do paciente e a região central cefálica, restabelecendo a harmonia entre os elementos do indivíduo”.

Caminhos terapêuticos

A conduta terapêutica farmacológica da Medicina Antroposófica inclui a prescrição de medicamentos fitoterápicos, homeopáticos, homotoxicológicos e antroposóficos, mas, de uma maneira geral, é orientada por substâncias naturais que visam estimular mecanismos de autocura do indivíduo (4,5).

Entre as medidas não farmacológicas estão a psicoterapia antroposófica, as modalidades artísticas, incluindo desenho, pintura, escultura, cantoterapia, musicoterapia, e a terapia da fala (speech therapy, em inglês). De acordo com Ghelman e Benevides, elas são complementadas, também, por medidas de autocuidado, autoeducação, orientações alimentares, ritmo de vida, aconselhamento biográfico, leituras e várias estratégias para mudanças de estilo de vida e para o desenvolvimento de autonomia e autoconhecimento na prevenção e enfrentamento de doenças (6,7,8).

Eles realçam as chamadas Terapias Externas Antroposóficas (TEA), exercidas geralmente pela enfermagem e pela fisioterapia, no cenário da Saúde Pública brasileira. As TEAs, caracterizadas por aplicações na pele ou mucosa de substâncias naturais oleosas ou aquosas e toques especiais, com temperaturas diferentes, podendo ser agrupadas em três modalidades (aplicações externas, massagem rítmica e banhos medicinais), podem ser empregadas tanto no nível ambulatorial da atenção primária quanto no ambiente de alta complexidade hospitalar (9).

Abordagem multiprofissional

Ghelman e Benevides ainda explicam que a expressão “Medicina Antroposófica” é utilizada, no sentido estrito, como referência para a atuação dos profissionais médicos que exercem essa abordagem em sua prática clínica, seja de médicos generalistas ou especialistas. Um dos critérios de elegibilidade para a formação em Medicina Antroposófica, no âmbito mundial, é a graduação em medicina e a obtenção do registro como médico no conselho de medicina do país. A formação do médico antroposófico consiste em um programa de pós graduação com mil horas teóricas e práticas. No âmbito nacional, a formação dos médicos antroposóficos é de responsabilidade da Associação Brasileira de Medicina Antroposófica.

Mas este sistema médico complexo, que tem como características basilares a transdisciplinaridade e a organização multiprofissional, nos cerca de 60 países onde está presente, se cerca de outras profissões da área da saúde e modalidades terapêuticas específicas. Entre as profissões de saúde que se destacam nesse contexto estão a Farmácia, a Enfermagem, a Psicologia e a Odontologia.  Já entre a modalidades terapêuticas específicas sobressaem a Massagem Rítmica, as Terapias Corporais Antroposóficas, a Terapia Artística Antroposófica, a Cantoterapia, a Musicoterapia e a Euritmia Terapêutica. Ghelman e Benevides contam que o Aconselhamento Biográfico é uma área do desenvolvimento organizacional antroposófico que vem sendo aplicada ao campo da saúde como um recurso complementar para o autoconhecimento (4,5,10).

Referências 

  1. Girke, M. Medicina Interna. Fundamentos e conceitos terapêuticos da Medicina Antroposófica. 2ª Edição. Associação Brasileira de Medicina Antroposófica. Belo Horizonte, 2020.
  2. Heusser, P. Anthroposophy and Science. An Introduction. Ed. Peter Lang. 2016.
  3. Ghelman R, Hosomi, JK, Yaari, M, Castro, AV, Junior MP, Costa LAN, Facina, A, Bovinoi, JR., Morais, MM, Amanda, Buonavoglia, ASMR, Nakamura, UM. Ficha clínica antroposófica do núcleo de medicina antroposófica da universidade federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina. Revista Arte Médica, vol 32, nº 1, 2012. Download em 09/10/2020 em:
  4. Vagedes, J. Anthroposophic Medicine: A multimodal medical system integrating complementary therapies into mainstream medicine. Complementary Therapies in Medicine. Volume 47, 2019, 102151, ISSN 0965-2299.
  5. Ghelman R. Abordagem da Antroposofia na Pediatria. J Manag Prim Health Care [Internet]. 22º de agosto de 2018 [citado 9º de agosto de 2020];8(2):233-65. 
  6. Ghelman R, Hosomi, JK, Yaari, M, Castro, AV, Junior MP, Costa LAN, Facina, A, Bovinoi, JR., Morais, MM, Amanda, Buonavoglia, ASMR, Nakamura, UM. Ficha clínica antroposófica do núcleo de medicina antroposófica da universidade federal de São Paulo – Escola Paulista de Medicina. Revista Arte Médica, vol 32, nº 1, 2012.
  7. Burkhard, G. Novos Caminhos de Alimentação (Volumes 1, 2, 3 e 4). 2ª Edição. Editora Antroposófica. São Paulo, 2019
  8. Moraes, WA. Salutogêneses e Auto-Cultivo. Associação Brasileira de Medicina Antroposófica. Belo Horizonte, 2015
  9. Benevides I de A, Cazarin G, de Lima SFF. Antroposofia aplicada à Saúde em dez anos da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares: aspectos históricos e considerações para sua implementação. J Manag Prim Health Care [Internet]. 22º de agosto de 2018 [citado 2º de agosto de 2020];8(2):266-77. Disponível em: https://www.jmphc.com.br/jmphc/article/view/532
  10. ABMA. Currículo internacional: Diretrizes para programas de pós-graduação em medicina antroposófica. Revista Arte Médica Ampliada. Vol 38 (nº1) 2018.