Mapeamento das evidências clínicas da moxabustão orienta como esta prática tradicional chinesa traz benefícios e melhora a qualidade de vida de pacientes com osteoartrite, hérnia de disco e o trabalho de parto.

Redação e Edição: Katia Machado (Fiocruz)

Revisão Científica: Ricardo Ghelman e Caio Portella (CABSIN)

Conhecida também por moxaterapia, a moxabustão é uma técnica terapêutica milenar da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), que serve para tratamentos diversos, melhorando a qualidade de vida de pacientes com osteoartrite e hérnia de disco, por exemplo, e trazendo benefícios inclusive para o trabalho de parto. Isso porque, segundo o médico homeopata, antroposófico e acupunturista, Jorge Kioshi Hosomi, a moxabustão usa o calor gerado pela queima de preparações de ervas, contendo Artemisia argyi [planta nativa da Ásia, mas muito comum no Brasil,] para estimular os pontos de acupuntura – pontos específicos no corpo em que se aplicam também as agulhas da acupuntura, geralmente próximos a  terminações nervosas, feixes musculares, tendões, ligamentos e articulações –, ajudando no tratamento das dores musculares, através do relaxamento físico e mental, reduzindo o estresse e controlando a ansiedade, entre outros benefícios.

“Uma possível explicação de como a moxabustão funciona é que o calor estimula os pontos de acupuntura, o que aumenta a circulação e alivia a estagnação do Qi [termo utilizado no sistema terapêutico chinês para definir “energia”, ou “força vital”], detalha Hosomi. 

Hosomi ensina que a moxa (termo reduzido de moxabustão, palavra que pode ter originado do japonês mogussá) remonta à antiga civilização chinesa e tem sido usada para prevenir e tratar doenças por mais de 2.500 anos. A história relata que a moxa teve origem na sociedade primitiva e sua descoberta foi relacionada ao uso do fogo. Os antigos teriam descoberto que dores, sob a aproximação do fogo em partes específicas do corpo, poderiam ser melhoradas ou até eliminadas.

Tão antiga quanto a acupuntura, a moxabustão já era utilizada por famílias reais na China, quando a acupuntura falhava. “Esta técnica da MTC trata e previne várias condições de saúde, trazendo benefícios à saúde e melhora da qualidade de vida”, garante o médico. Entre os efeitos da moxa destacam-se os seguintes: eleva a produção de leucócitos, melhorando a imunidade; aumenta produção de hemácias, e consequentemente, a quantidade de nutrientes e oxigênio circulando pelo corpo; e estimula a circulação sanguínea e linfática através da vasodilatação periférica, resultante do calor liberado, aumentando o fluxo e a irrigação sanguínea, alcançando as extremidades com mais facilidade (2).

Desfechos do Mapa da Moxabustão

Desta forma, a moxa apresenta resultados positivos e satisfatórios para dores musculares a controle da ansiedade. Auxilia no tratamento da depressão, insônia, constipação e diarreias crônicas, dores articulares, asma, resfriados e sinusites, bem como no tratamento de enxaqueca, doenças no sistema reprodutivo feminino, como cólicas menstruais, menstruação irregulares, infertilidade e baixo libido, impotência masculina,  diminuição da qualidade do esperma e até mesmo como estratégia para correção da posição do feto.

Os benefícios são elencados pelo Mapa de Evidências da Efetividade Clínica da Moxabustão, trabalho científico que teve a coordenação de Hosomi, produzido pelo Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa (CABSIN) e o Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde (Bireme/Opas/OMS), com apoio da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Coordenação Nacional das Práticas Integrativas e Complementares de Saúde do Ministério da Saúde. “O Mapa de Evidências da Moxabustão baseou-se em revisões sistemáticas e resumiu intervenções e desfechos em saúde relacionados à técnica”, explica o coordenador. Hosomi acrescenta: “As revisões sistemáticas fornecem um processo confiável que resume as melhores evidências disponíveis e relevantes em determinada área”. 

O Mapa da Moxabustão, segundo Hosomi, baseou-se nas diretrizes do PRISMA, cujo objetivo é ajudar os autores a melhorarem o relato de revisões sistemáticas e meta-análises, e na metodologia 3iE (International Initiative for impact Evaluation), por meio da qual as evidências são mapeadas e aplicadas em uma estrutura, destacando graficamente as lacunas onde existem poucos ou nenhum estudo de revisão e onde há uma concentração de estudos. Os especialistas da Bireme/Opas garantem: “O Mapa de Evidências é um método emergente de tradução do conhecimento que busca sintetizar, identificar, descrever e caracterizar a evidência científica, que existe para uma determinada temática ou condição de saúde”. A tradução do conhecimento é uma das estratégias que contribui para estreitar a histórica lacuna que existe entre o conhecimento científico disponível e a adoção deste conhecimento pelos sistemas e serviços de saúde em todos os níveis. 

Publicado em 2021, com base em 64 estudos de revisão sistemática, em sua maioria da China, Coreia do Sul e Itália, o Mapa de Evidências da Efetividade Clínica da Moxabustão mostra que a prática está concentrada no grupo das doenças crônicas não transmissíveis, sendo aplicada majoritariamente nos casos de osteoartrite, hipertensão arterial e hérnia de disco e, em menor número, nos casos de constipação e transtornos gastrointestinais. “O Mapa da Moxa foi construído a partir de quatro bases de dados, em que foram identificadas 311 citações, das quais 64 revisões sistemáticas atenderam aos critérios de inclusão. A maioria das revisões (51) é de revisão sistemática com metanálises, e 62 revisões foram feitas a partir de ensaios clínicos controlados e randomizados”, caracteriza o coordenador do trabalho científico. 

Ele defende que demonstrar segurança e eficácia por meio de pesquisas científicas ajuda a ratificar uma prática utilizada na medicina popular, fornecendo suporte baseado em evidência, para sua incorporação no sistema de saúde como uma terapia integrativa e complementar. Segundo o médico e pesquisador, foram identificados efeitos positivos (26 revisões) relacionados, principalmente, a osteoartrite (4 revisões), trabalho de parto (4 revisões), hérnia de disco (2 revisões) e dispepsia (2 revisões). Enquanto os efeitos potencialmente positivos (23 revisões) foram identificados em casos de osteoartrite (3 revisões), hipertensão arterial (2 revisões), constipação (2 revisões), transtorno gastrointestinal (2 revisões), entre outros. 

Além disso, foram identificados efeitos inconclusivos/misturados em 14 revisões. “Para estes efeitos serem melhor avaliados, uma ampliação do número de estudos se faz necessária”, pondera Hosomi, acrescentando que, no mapeamento, os efeitos negativos não foram observados. Vale saber que os efeitos positivos e potencialmente positivos medem se houve benefício de uma certa intervenção terapêutica para o desfecho clínico estudado. O que distingue um do outro é que o potencialmente positivo mostra uma força mais fraca, mas com tendência positiva. Ou seja, por exemplo, se a pressão arterial normalizou totalmente com a aplicação de uma prática, esta apresentaria um efeito positivo, mas se ela baixou, mas não normalizou, traria um efeito potencialmente positivo. Um exemplo de efeito negativo seria a pressão subir em um hipertenso ao invés de baixar.

O mapeamento, segundo Hosomi, confirma o que os profissionais da MTC já observam no cotidiano:

“A moxa tem sido aplicada no tratamento de uma grande variedade de doenças, sendo indicada com mais frequência para casos de inversão fetal no trabalho de parto, diarreia, colite, incontinência urinária, dismenorreia, osteoartrite do joelho, distúrbio da articulação temporomandibular, lesão de tecidos moles, dor no calcanhar, asma, retenção urinária e herpes zoster”. Ele informa que a prática é, também, indicada para o tratamento de fraqueza, fadiga e problemas relacionados ao envelhecimento.

Moxa no SUS

Atualmente, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece, de forma gratuita, 29 práticas integrativas e complementares em saúde (PICS), entre elas a moxabustão e outras técnicas da MTC, como parte da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC). Um dos exemplos exitosos na oferta da prática é o Centro Estadual de Referência em Medicina Integrativa e Complementar (Cremic), localizado em Goiânia (GO). A unidade ambulatorial estadual, vinculada à Superintendência de Atenção Integral à Saúde da Secretaria Estadual de Saúde de Goiás (SES-GO), conta com uma equipe formada por médicos, enfermeiros, farmacêuticos, nutricionistas, agrônomos, assistentes sociais, biólogos, psicólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais, técnicos de enfermagem e terapeutas ocupacionais, oferecendo aos usuários do SUS, a moxabustão, como também a ventosaterapia, a aromaterapia, a auriculoterapia, a fitoterapia, a homeopatia, a terapia de Florais de Bach, a constelação familiar, a meditação, a roda terapêutica, o reiki, as terapias corporais chinesas e a osteopatia. 

A prática da moxabustão, segundo a enfermeira obstetra do CREMIC, Andreia Delfino dos Santos, é comumente aplicada em conjunto com a ventosaterapia e a auriculoterpia, em tratamento de dores articulares, artrose, artrite e lombalgia. Para saber mais sobre o cotidiano do Cremic, acesse a matéria do Núcleo de Tradução do Conhecimento em Medicinas Tradicionais, Complementares e Integrativas (NTC MTCI-PICS), intitulada `Ventosaterapia no cuidado da saúde: das medicinas antigas aos tempos atuais`.

 

Referências bibliográficas

  1. Lee MS, Kang JW, Ernst E. Does moxibustion work? An overview of systematic reviews. BMC Res Notes. 2010;3:284.
  2. Deng H, Shen X. The mechanism of moxibustion: ancient theory and modern research. Evid Based Complement Alternat Med. 2013;2013:379291.
  3. Kim SY, Chae Y, Lee SM, Lee H, Park HJ. The effectiveness of moxibustion: an overview during 10 years. Evid Based Complement Alternat Med. 2011;2011:306515.