No mundo, são mais de um bilhão de pessoas com hipertensão; a chamada ‘pressão alta’ tem as práticas integrativas e complementares como aliadas no tratamento, revelam os Mapas de Evidências Clínicas em Medicinas Tradicionais, Complementares e Integrativas.

Katia Machado

Revisão: Caio Portella, Ricardo Ghelman, Verônica Abdala, Gelza Nunes

Trinta e quatro mortes por hora, 829 óbitos por dia e mais de 302 mil óbitos por doenças cardiovasculares, como infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral (AVC), provocadas especialmente pela hipertensão arterial, conhecida popularmente como “pressão alta”. Os dados são do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, registrados no ano de 2017. Sobre o principal fator de risco para as doenças cardiovasculares, a Vigitel 2019, pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico, realizada anualmente pelo Ministério da Saúde, alerta: 24,5% dos brasileiros são hipertensos – ou seja, de um total mais de 51 milhões sofrem de “pressão alta” no país. No ano de 2019, o principal fator de risco para as doenças cardiovasculares chegou a acometer 59,3% dos adultos com 65 anos ou mais, sendo 55,5% dos homens e 61,6% das mulheres. 

O cenário é alarmante no mundo inteiro: a Organização Mundial da Saúde (OMS) contabiliza que a hipertensão faz parte da realidade de 1,13 bilhão de habitantes desse planeta, quase o dobro do número de casos registrados em 1975. Os dados apresentados pela OMS, no ano de 2016, revelam que não se trata mais de uma doença dos países ricos, sendo os países da África Subsaariana, por exemplo, os mais afetados pela hipertensão. A cada ano, ocorrem 1,6 milhões de mortes por doenças cardiovasculares na região das Américas, das quais cerca de meio milhão são pessoas com menos de 70 anos de idade, o que é considerado morte prematura e evitável. A hipertensão chega a afetar 40% da população adulta da região, o que significa que nas Américas cerca de 250 milhões de pessoas sofrem de pressão arterial elevada. 

Cuidados complementares

Pelas diretrizes da OMS, uma pessoa é considerada hipertensa quando sua pressão sistólica (pressão quando a musculatura do coração se contrai) é maior que 140 milímetros de mercúrio (mmHg) e/ou a diastólica (pressão durante o relaxamento do músculo do coração, entre um batimento cardíaco e outro) é igual ou maior que 90 mmHg. Sabe-se que o consumo excessivo de sódio, o estresse e o sedentarismo, bem como a obesidade e o colesterol alto, por exemplo, são fatores que impactam negativamente na pressão arterial e, por isso, pessoas com hipertensão diagnosticada ou em alto risco de desenvolvimento da doença devem seguir uma dieta equilibrada, praticar atividades físicas e podem lançar mão de recursos integrativos, como o treino respiratório, presente nas práticas da meditação e ainda associado a práticas corporais como o Tai Chi e a Yoga.

Estas são algumas recomendações presentes nos Mapas de Evidências Clínicas em Medicinas Tradicionais, Complementares e Integrativas (MTCI), organizadas pelo Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde (Bireme/OPAS/OMS) e pelo Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa (CABSIn), com o apoio da Coordenação Nacional das Práticas Integrativas e Complementares de Saúde do Ministério da Saúde, que agrupa o tema da pressão arterial, entre outras temáticas. 

Determinações das PICS sobre a pressão arterial

Enquanto o modelo biomédico convencional está predominantemente centrado na doença – e, aqui, focaliza-se a hipertensão arterial –, um olhar ampliado e integrativo se volta para o indivíduo, suas características e estilo de vida. Sob esta ótica, a pressão arterial alta é observada conforme os aspectos do corpo, da mente e do ambiente nos quais a pessoa está inserida. Por isso, a pessoa hipertensa pode recorrer a orientações variadas de estilo de vida, autoconhecimento e recursos de autocuidado, que juntas podem trazer um ótimo benefício para o cuidado complementar da sua saúde.

São inúmeros os estudos científicos analisados e sistematizados pelos Mapas de Evidências em MTCI, sob a perspectiva ampliada da saúde. Práticas integrativas e complementares não farmacológicas, como a meditação, por exemplo, mostra-se eficaz na redução significativa da pressão arterial sistólica e da diastólica, em comparação com outras intervenções. A evidência faz parte de vários estudos analisados, entre eles ‘O efeito de três exercícios de meditação diferentes sobre a hipertensão: uma meta-análise de rede’, publicado em 20171. Neste trabalho, os pesquisadores Hongchang Yang, Xueping Wu e Min Wang estimaram os efeitos de diferentes exercícios de meditação no controle da pressão arterial sistólica e diastólica.

Considerada uma filosofia de vida que busca o equilíbrio do corpo e da mente, a ampliação da consciência e a união do indivíduo a sua verdadeira natureza e à natureza do universo, a Yoga – cujos pilares são as técnicas de respiração (pranayamas), as posturas de yoga (ásanas) e a meditação – também faz parte do universo de análise dos Mapas de Evidências em MTCI no contexto da hipertensão. Um dos estudos em destaque, intitulado ‘Uma revisão sistemática e meta-análise sobre os efeitos do yoga sobre os resultados relacionados ao peso’2, publicado em 2016, na revista Preventive Medicine, revela que a prática da yoga contribui para a redução da pressão arterial em pacientes com doenças crônicas.

A Qigong, uma prática corporal da Medicina Tradicional Chinesa, que tem como finalidade estimular e promover uma melhor circulação de energia vital no corpo, visando entre outros propósitos tratar doenças, promover a saúde e a longevidade, mereceu destaque na relação entre prática integrativa e pressão arterial, pela comprovação de que esta pode ser uma forma consistente de baixar a pressão arterial sistólica e a diastólica. A pesquisa ‘Efeito clínico da prática de Qigong sobre hipertensão essencial: uma meta-análise de ensaios controlados randomizados’3, publicada em 2008, já revelara na ocasião os benefícios da prática sobre a pressão arterial, comprovando que as práticas da Medicina Tradicional Chinesa – contempladas pela Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares de Saúde (PNPIC) do Ministério da Saúde – auxiliam na redução do risco de doenças cardiovasculares e na perda de peso, tanto em adultos quanto em idosos.

De acordo com os Mapas de Evidências em MTCI, a auriculoterapia, recurso integrativo mais utilizado no Sistema Único de Saúde (SUS) entre os anos de 2017 e 2019, mostra-se potencialmente eficaz no tratamento da hipertensão arterial. O estudo ‘O efeito da terapia auricular na pressão arterial: uma revisão sistemática e meta-análise’4, publicado em 2020, no The European Journal of Cardiovascular Nursing (EJCN), revela que a prática de estimulação da orelha para o diagnóstico e tratamento de condições de saúde em outras partes do corpo – também conhecida como auriculoterapia ou reflexologia da orelha –, associada às drogas anti-hipertensivas, pode ser mais eficaz que os medicamentos isoladamente, para o controle da hipertensão arterial. 

Uma análise conjunta de sete estudos sobre a temática revelou que a auriculoterapia – sozinha ou associada com dieta e/ou exercício – foi eficaz para a redução do peso, particularmente para a diminuição índice de massa corporal (IMC), da circunferência da cintura (CC), da relação cintura/quadril (RCQ), da massa gorda corporal (MFC) e do percentagem de gordura corporal (BFP), em comparação com nenhum tratamento ou apenas com uso de fita cirúrgica com dieta e/ou exercício. 

Este trabalho de sistematização de centenas de estudos também revela que a fibra alimentar poderia ser usada para a prevenção primária de doenças cardiovasculares, bem como que existem mais algumas substâncias naturais, como o alho, que têm propriedades anti-hipertensiva. Tal evidência faz parte do estudo ‘Efeito do alho na pressão arterial: uma meta-análise’5, publicado em 2015, no The Journal of Clinical Hypertension.

Os Mapas de Evidências em MTCI tratam, ainda, da importância da microbiota na saúde cardiovascular – o que em ecologia, chama-se de conjunto dos micro-organismos que habitam um ecossistema, principalmente bactérias, que geralmente têm funções importantes na reciclagem dos nutrientes. No nosso corpo, temos dez vezes mais bactérias no intestino do que células no corpo, e a ciência vem demonstrando a cada dia mais evidências sobre a importância do equilíbrio da saúde intestinal para prevenção e cuidado de muitas doenças, entre elas a hipertensão. A pesquisa ‘O microbioma e a pressão arterial: micróbios podem regular nossa pressão arterial?’6, publicada em 2017, na revista científica Frontiers in Pediatrics, mostrou que alterações na microbiota e seus metabólitos estão associados à hipertensão e aterosclerose.

Outro fator interessante é o efeito do contato com a natureza na pressão arterial como cita o estudo o ‘Efeito redutor da pressão arterial de Shinrin-yoku (banho na floresta): uma revisão sistemática e metanálise’7, publicado em 2017.

Com destaque, a auriculoterapia

Segundo o Ministério da Saúde, o uso das práticas integrativas no SUS vem crescendo a cada ano. O número de municípios que ofertam PICS cresceu 7,6% entre 2017 e 2019, saindo de 3.994 municípios para um total de 4.297, o que corresponde a 77,14% do total de municípios brasileiros. Já são 17.335 serviços do SUS que ofertam tais práticas, sendo 90% deles na atenção primária à saúde. Isso significa, segundo a Pasta, que 37% das unidades básicas de saúde ofertaram ao menos uma prática integrativa e complementar em saúde no ano de 2019. 

Os números de procedimentos ofertados na atenção primária são expressivos: saltou dos 148.152 em 2017 para 628.239 em 2019, representando um aumento de 324%. E foi a auriculoterapia, importante aliada da pressão arterial, conforme estudos científicos analisados pelos Mapas de Evidências em MTCI, que mais cresceu: saiu de 40.818 para 423.774, entre 2017 e 2019.

De acordo com o Ministério da Saúde, o crescimento das atividades coletivas, como yoga e tai chi chuan, foi também substancial, saltando 25.206 ofertas em 2017 para 104.531 em 2019, o que permitiu sair dos 322.650 participantes para 942.970 em dois anos.  As práticas corporais da medicina tradicional chinesa foram mais incidentes, com registro de 8.606 atividades e 25.745 participantes, no ano de 2017, e 48.646 atividades e 355.788 participantes, em 2019.

Quanto à oferta de PICS na média e alta complexidade, foram registrado um aumento de 940.078 registros em 2017 para 1.463.183 em 2019, representando um aumento de 55,65%. O maior aumento, nesse contexto, se deu também na oferta de auriculoterapia, saindo de 140.001 procedimentos ofertados para 492.005, ficando na frente da acupuntura que se manteve relativamente estável. Em 2017, foram registradas 463.093 sessões desta prática e, em 2019, foram 483.554 registros.

Orientadas pela OMS, as MTCI – que no Brasil ficaram conhecidas pela sigla PICS – têm o reconhecimento dos gestores e trabalhadores dos SUS. Os atendimentos podem ser individuais, quando realizados por profissionais de saúde com formação superior, que podem realizar a consulta ou algum procedimento no mesmo atendimento, e, dependendo dos procedimentos, podem também ser realizados por profissionais capacitados de nível médio. Os recursos terapêuticos baseados em conhecimentos tradicionais, voltados para prevenir diversas doenças, como a hipertensão arterial, foram possíveis face à PNPIC, de 2006.

Da PNPIC, atualmente fazem parte 29 procedimentos integrativos e complementares à população, oferecidos de forma integral e gratuita. São eles: Apiterapia; Aromaterapia; Arteterapia; Ayurveda; Biodança; Bioenergética; Constelação familiar; Cromoterapia; Dança circular; Geoterapia; Hipnoterapia; Homeopatia; Imposição de mãos; Medicina antroposófica/antroposofia aplicada à saúde; Medicina Tradicional Chinesa – acupuntura; Meditação; Musicoterapia; Naturopatia; Osteopatia; Ozonioterapia; Plantas medicinais – fitoterapia; Quiropraxia; Reflexoterapia; Reiki; Shantala; Terapia Comunitária Integrativa; Terapia de florais; Termalismo social/crenoterapia; e Yoga.

Dos Mapas de Evidências ao Núcleo de Tradução do Conhecimento

Este material inaugura um ciclo de debates sobre as evidências científicas em MTCI, evidenciando como as práticas integrativas e complementares em saúde, conhecidas pela sigla PICS, contribuem para a prevenção e o tratamento de problemas e agravos de saúde pública que acometem o país e o mundo, comprovadamente. Lançamos, por meio deste primeiro documento, o Núcleo de Tradução do Conhecimento em PICS, fruto do trabalho de sistematização de nove Mapas de Evidências em MTCI, que têm a orientação da Bireme e do CABSIn, com apoio da Coordenação Nacional da PNPIC do Ministério da Saúde. 

O Mapa Efetividade Clínica da Prática da Meditação, por exemplo, destaca os efeitos da meditação para diversas condições clínicas e de saúde da população em geral. Desta análise, fazem parte 191 revisões sistemáticas (estudo científico que gera alto grau de recomendação e confiabilidade nos resultados), que foram analisadas por pares de pesquisadores da área de meditação.

O Mapa Efetividade Clínica da Prática do Yoga, por sua vez, inclui 150 revisões sistemáticas sobre esta prática milenar, de origem sânscrita, em diversas condições de saúde, qualidade de vida e bem-estar. O trabalho contempla 150 estudos de revisão sistemática, igualmente selecionados, avaliados, caracterizados e categorizados por pares de pesquisadores da área de Yoga.

Efetividade Clínica das Plantas Medicinais e Fitoterapia para Distúrbios Metabólicos e Fisiológicos, título do mapa que contempla 48 estudos de revisão sistemática, foram avaliados e categorizados por um grupo de pesquisadores do Laboratório de Pesquisa e Desenvolvimento de Práticas Integrativas e Complementares da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Vale citar que o tema das plantas medicinais e da fitoterapia foi também analisado sob a ótica da saúde mental, em outro grupo de 37 estudos de revisão sistemática, e no contexto da dor e das doenças crônicas, sobre o qual foram analisados 49 estudos.

O Mapa Efetividade Clínica da Reflexologia traz, por sua vez, 18 revisões sistemáticas, que foram avaliadas, caracterizadas e categorizadas pelo Grupo de Pesquisa em Promoção da Saúde e Práticas Integrativas e Complementares da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). 

Este trabalho contemplou a efetividade clínica das práticas mente e corpo da Medicina Tradicional Chinesa, por meio do qual foram retratados os efeitos das práticas integrativas para as diversas condições clínicas e de saúde das pessoas, a partir de 180 revisões sistemáticas, categorizadas pelo Grupo de Pesquisa em Promoção da Saúde e Práticas Integrativas e Complementares da Unifesp. 

O Mapa Efetividade Clínica da Auriculoterapia, prática integrativa com maior incidência no SUS nos últimos anos, conforme relatou-se acima, contou ainda com a colaboração de um grupo de pesquisadores coordenados pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), avaliando um total de 38 estudos. Eles foram categorizados em quatro grupos de intervenções: Acupressão, Auriculopuntura, Eletroacupuntura e Fotobioestimulação.

Referências Bibliográficas

  1. Yang, H., Wu, X. & Wang, M. The Effect of Three Different Meditation Exercises on Hypertension: A Network Meta-Analysis. Evidence-based Complement. Altern. Med. 2017, (2017).
  2. Lauche, R., Langhorst, J., Lee, M. S., Dobos, G. & Cramer, H. A systematic review and meta-analysis on the effects of yoga on weight-related outcomes. Prev. Med. (Baltim). 87, 213–232 (2016).
  3. Guo, X., Zhou, B., Nishimura, T., Teramukai, S. & Fukushima, M. Clinical effect of Qigong practice on essential hypertension: A meta-analysis of randomized controlled trials. J. Altern. Complement. Med. 14, 27–37 (2008).
  4. Gao, J. et al. The effect of auricular therapy on blood pressure: A systematic review and meta-analysis. Eur. J. Cardiovasc. Nurs. 19, 20–30 (2020).
  5. Wang, H. P., Yang, J., Qin, L. Q. & Yang, X. J. Effect of Garlic on Blood Pressure: A Meta-Analysis. J. Clin. Hypertens. 17, 223–231 (2015).
  6. Al Khodor, S., Reichert, B. & Shatat, I. F. The microbiome and blood pressure: can microbes regulate our blood pressure? Front. Pediatr. 5, 138 (2017).
  7. Ideno, Y., Hayashi, K., Abe, Y., Ueda, K., Isso, H., Noda, M., Lee, J. & Suzuki. S. Blood pressure-lowering effect of Shinrin-yoku (Forest bathing): a systematic review and meta-analysis. BMC Complement Altern Med. 17: 409 (2017).
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