Prática de saúde, usada na atualidade para o tratamento complementar de dores agudas, como cefaleia, lombalgia, cervicalgia e dor no joelho, e de doenças sistêmicas, a exemplo da hipertensão, artrite reumatoide, diabetes, transtornos psíquicos e dermatológicos, tem origem em antigas civilizações

 

Redação e Edição: Kátia Machado

Revisão Científica: Ricardo Ghelman, Caio Portella e Gelza Matos Nunes

A prática da ventosaterapia é muito antiga, mas ganha destaque nos últimos anos especialmente entre os atletas de alta performance. Foi o que aconteceu nos Jogos Olímpicos de 2016, na cidade do Rio de Janeiro, quando vários esportistas chamaram a atenção de observadores atentos, por exibirem estranhos círculos vermelhos ou arroxeados em seus corpos. O nadador Michael Phelps, que na ocasião ganhou cinco medalhas de ouro e uma de prata, tornando-se o maior medalhista olímpico por equipes e o nadador mais velho a ganhar uma medalha de ouro olímpica em provas individuais na natação, encerrando assim seu ciclo olímpico, com um total de 28 medalhas, sendo 23 de ouro, foi um dos atletas mais notados, por conta dessas marcas circulares em suas costas e ombro proveniente desta técnica milenar. A técnica da ventosaterapia, recurso terapêutico e complementar da Medicina Tradicional Chinesa (MTC) aplicada na ocasião em Phelps, o ajudou em seus cuidados musculoesqueléticos, diminuindo a intensidade das dores muscular, por conta dos movimentos repetitivos, sem uso de medicamentos.

“A ventosaterapia faz parte há muito tempo do arsenal terapêutico dos profissionais de saúde que praticam a MTC. Com a divulgação na mídia de artistas e atletas que se apresentaram publicamente com marcas das ventosas no corpo, a população e outros profissionais de saúde de várias partes do mundo passam a conhecer a prática, dando a esta terapia maior visibilidade”, realça o médico homeopata, antroposófico e acupunturista, Jorge Kioshi Hosomi, coordenador do Mapa de Evidência da moxabustão do Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa.

A ventosaterapia remonta a antigas civilizações, como a chinesa e a egípcia, a mais de quatro mil anos, sendo aprimorada pela MTC. Ela se dá por meio de um vácuo criado com a ventosa, que promove uma sucção da pele e músculo. Aplicada de forma estática ou dinâmica, através de cúpulas de vidro, plástico ou outro material, esta técnica terapêutica impede que a energia e o sangue fiquem estagnados nos músculos, tendões e estruturas que sofreram contusões, torções e dores por excesso de atividade repetitiva, como é o caso de atletas. “Um objeto cônico, que é colocado sobre a pele, cria pressão negativa por sucção”, detalha Hosomi.

“É praticada desde a Antiguidade, em várias regiões do mundo. Heródoto e Hipócrates, na Grécia Antiga, sugerem a ventosa úmida e seca como tratamento para várias doenças. Existem referências do uso da ventosaterapia, também, no Antigo Egito e no Império Romano. Na Idade Média, muitos médicos árabes indicavam seu uso. Na China, Coreia, Japão e em outros países do extremo oriente, ela faz parte do arsenal terapêutico da medicina tradicional, junto com a acupuntura e a moxabustão”, complementa.

As ventosas têm a capacidade de aumentar o volume de circulação dos vasos sanguíneos e linfáticos, promove relaxamento da musculatura, alivia as tensões, reduz dores e edemas, aumenta a produção de líquido sinovial nas articulações, entre outros benefícios. Seu efeito, porém, não é apenas localizado. Pode ser usada para a manutenção da saúde em afecções do pulmão, cólicas menstruais, dores de cabeça etc. Nestes casos, é aplicada em pontos de acupuntura, nos meridianos da MTC, que estejam com a energia estagnada. 

De acordo com Hosomi, a ventosaterapia – aplicada, em alguns casos, em conjunto com a acupuntura e o moxabustão, duas outras antigas técnicas da MTC – é indicada tanto para pacientes saudáveis quanto para aqueles que padecem de patologias, como cefaleia, lombalgia, cervicalgia e dor no joelho. 

“Doenças sistêmicas nas quais esta terapia é utilizada são hipertensão, artrite reumatoide, diabetes, transtornos psíquicos e dermatológicos”, acrescenta. Ele alerta, porém, com base na literatura científica, que a terapia não substitui o tratamento convencional, devendo o profissional de saúde tomar conhecimento das evidências que suportam seu uso no tratamento de doenças, dos cuidados na administração da terapia e de suas contraindicações. Ainda que sejam poucas as restrições, ela não é indicada a pacientes com histórico de trombose, feridas, queimaduras e cirurgias recentes na área a ser tratada. “Em uma publicação de mapa de evidências da ventosaterapia, de Choi e col., os autores avaliaram 13 revisões sistemáticas e identificaram potenciais benefícios da ventosaterapia em diferentes condições, tais como lombalgia, espondilite anquilosante, osteoartrite de joelho, cervicalgia, herpes zoster, migrânea, psoríase em placa e urticária crônica”, exemplifica (1). “À medida que pesquisas bem conduzidas são realizadas, não só as evidências de eficácia da ventosaterapia são atualizadas como também são avaliadas a segurança do procedimento”, garante Hosomi (2,3).

Sobre os mecanismos de ação, o que se sabe é que a pressão negativa melhora a circulação na pele, libera adesões nos tecidos conectivos, e ocorrem mudanças bioquímicas, impactando nos limiares de dor por pressão, redução do estresse oxidativo e modulação do sistema imune (4).

Experiência exitosa do SUS de Ventosaterapia

Atualmente, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece, de forma gratuita Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) à população, entre elas a ventosaterapia, como parte da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC). Um dos exemplos exitosos na oferta da prática é o Centro Estadual de Referência em Medicina Integrativa e Complementar (Cremic), localizado em Goiânia (GO). A unidade ambulatorial estadual, vinculada à Superintendência de Atenção Integral à Saúde da Secretaria Estadual de Saúde de Goiás (SES-GO), que conta com uma equipe formada por médicos, enfermeiros, farmacêuticos, nutricionistas, agrônomos, assistentes sociais, biólogos, psicólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais, técnicos de enfermagem e terapeutas ocupacionais, oferece aos usuários do SUS, além da ventosaterapia, a aromaterapia, a auriculoterapia, a moxaterapia, a fitoterapia, a homeopatia, a terapia de Florais de Bach, a constelação familiar, a meditação, a roda terapêutica, o reiki, as terapias corporais chinesas e a osteopatia.

“A ventosaterapia tem destaque na unidade, por ser uma prática que atende a muitos pacientes, em especial a pessoas com queixas de dores crônicas”, diz a enfermeira obstetra do CREMIC, Andreia Delfino dos Santos. 

Há quatro anos atuando na unidade, Andreia conta que 95% dos casos tratados com esta técnica da MTC são de pessoas com artrose, artrite e lombalgia. Ela explica que a terapia combate inflamações no corpo, hiperoxigenando as áreas afetadas pelas dores. “O aumento da oxigenação na área a ser tratada, estimulada pela aplicação por pressão negativa, penetra melhorando a acidose local, promovendo o relaxamento das fibras musculares e tratando o local afetado”, explica. 

Andreia realça que as pessoas encontram no Cremic um tratamento que reduz suas queixas. Ela lembra de um dos seus pacientes, um motorista aposentado, com 65 anos na ocasião, que chegou à unidade com muitas dores articulares em um dos braços e ombro, sem conseguir mexer o braço com desenvoltura, devido a uma bursite que o afetava há anos. “Fomos aplicando nele a ventosaterapia, em conjunto com a moxabustão e a auriculoterapia. Depois do tratamento, ele voltou a dirigir e a pescar, atividade que mais gostava de fazer, mas que estava impossibilitado diante das dores”, recorda Andreia, explicando que a ventosaterapia pode ser aplicada isoladamente, mas quando é associada a outras terapias, a resposta é mais rápida. 

As ventosas foram aplicadas nos locais onde o paciente se queixava da dor e nos meridianos da área. “Assim, conseguimos desbloquear o braço”, explica, para ressaltar o efeito provocado pelas ventosas, que fez com que o líquido sinovial atuasse nas articulações do ombro, “como que lubrificando” a região. Ela conta que esse paciente, face aos bons resultados obtidos com a terapia, não queria receber alta ao fim da sua décima sessão, acreditando conseguir mais dez sessões. “Ele tinha medo de voltar a sentir as dores com o término do tratamento. Dei alta para ele, após as dez sessões de ventosaterapia, com indicação ainda de fisioterapia”, remonta. 

Cotidiano da unidade

O Cremic oferece dez sessões de ventosaterapia e outras terapias associadas, após consulta e indicação da equipe médica, sendo que após 60 dias, se necessário, poderá pegar novo encaminhamento com o médico. O ideal, segundo a enfermeira, é que o paciente faça uma sessão semanal, até mesmo como medida preventiva, fortalecendo o organismo, a vitalidade e evitando doenças. “A ventosaterapia ajuda na redução das dores articulares e crônicas, contribuindo também para a redução do uso de analgésicos e anti-inflamatórios”, garante a profissional, que veio a conhecer a MTC e seus recursos nos anos 2000. 

Segundo Andréia, nos casos de dor aguda, a técnica apresenta respostas rápidas, já nas primeiras sessões, em virtude do relaxamento e hiperoxigenação dos tecidos. Mas a terapia pode ser usada também em outras deficiências, com a aplicação dos copos de ventosa sempre nas regiões em que o órgão se encontra. Os efeitos podem ser benéficos até mesmo para problemas emocionais, como depressão. Nesse caso, as ventosas são colocadas na região dorsal retro-cardíaca. Ela reforça que a terapia é também indicada para pessoas obesas, sedentárias, com quadros depressivos, entre outros. “Trata-se de um tratamento integral, que busca a melhoria da qualidade de vida”, diz, na expectativa que a prática da ventosaterapia e outros recursos da MTC possam fazer-se mais presentes nos ambulatórios, unidades básicas de saúde e de prontos-atendimentos do SUS.  

A terapia só não pode ser aplicada em área com proeminência óssea ou que a ventosa não vá aderir. “Mas, podemos trabalhar nos pontos de acupuntura, que respondem àquela área”, ensina um pouco mais a especialista do Cremic. “No paciente com uma dor no punho, por exemplo, eu não consigo aplicar diretamente, mas posso colocar no canal de energia do meridiano, que vai funcionar”, detalha. 

Além de eficaz e pouco invasiva, trata-se de uma prática de baixo custo. Sendo um método terapêutico externo, simples e eficaz da MTC, sua formação é também bastante acessível a todos os profissionais de saúde. A formação é normalmente na forma de curso livre, ou seja, de menor duração, focado no aprendizado pontual para a qualificação profissional, seguindo a Lei 9.394/1996. Portanto, é necessário somente a conclusão do Ensino Médio para formar-se em Ventosaterapia. O conteúdo compreende o conhecimento do material necessário, da aplicação da técnica, das indicações e contraindicações e dos protocolos de tratamento, sempre que possível como parte de uma equipe de saúde para contribuir para o cuidado integral do paciente.

Referências 

  1. Choi TY, Ang L, Ku B, Jun JH, Lee MS. Evidence Map of Cupping Therapy. J Clin Med. 2021 Apr 17;10(8):1750. 
  2. Furhad S, Bokhari AA. Cupping Therapy. 2022 Jan 8. 
  3. Zhang X, Tian R, Lam WC, Duan Y, Liu F, Zhao C, Wu T, Shang H, Tang X, Lyu A, Bian Z. Standards for reporting interventions in clinical trials of cupping (STRICTOC): extending the CONSORT statement. Chin Med. 2020 Jan 31;15:10.
  4. Trofa, David P., et al. “The evidence for common nonsurgical modalities in sports medicine, part 2: cupping and blood flow restriction.” JAAOS Global Research & Reviews 4.1 (2020).