Mapeamento das evidências clínicas da ventosaterapia confirma que a prática promove o alívio das dores crônicas, especialmente na região da coluna, e contribui também para o tratamento do herpes zoster e da acne vulgar

Redação e Edição: Kátia Machado

Revisão Científica: Ricardo Ghelman, Caio Portella e Gelza Matos Nunes

 

A ventosaterapia é utilizada no âmbito da Medicina Tradicional Chinesa (MTC) e está baseada no uso de ventosas para estimular a circulação sanguínea, resultando em vasodilatação localizada e, consequentemente, em uma maior oxigenação dos tecidos e liberação de toxinas sanguíneas e musculares. Trata-se da Ventosaterapia, prática milenar, que envolve a aplicação de uma pressão negativa por sucção através de cúpulas de diferentes materiais (vidro, plástico, entre outros), para reduzir a congestão tanto de fluidos quanto de energia acumulada nas regiões contundidas ou com dores agudas e crônicas, seja em músculos, tendões e outras estruturas que sofreram traumatismos, torções ou abalos por excesso de atividade repetitiva. A prática cria um equilíbrio ácido/base do sangue, por troca gasosa, e regula a energia Qi e o yin-yang. Esse processo causa reações pigmentares que ajudam no diagnóstico e na percepção da evolução da doença.

Sua indicação, porém, não é apenas para ação local. Pode ser usada para a manutenção da saúde em afecções do pulmão, cólicas menstruais, dores de cabeça e até no cuidado da saúde mental, através dos pontos da acupuntura (leia ‘Ventosas no cuidado da saúde: da Grécia Antiga aos tempos atuais’). As pesquisas sobre os efeitos desta prática integrativa e complementar em saúde, que integra na atualidade o rol dos 29 recursos terapêuticos da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, realizadas mundo afora, revelam que a terapia ajuda no cuidado de várias condições de saúde, em relação aos problemas musculares, alívio da dor, artrite, insônia, problemas de fertilidade, dentre outras.  

Benefícios da ventosaterapia baseados em evidência

Segundo o artigo de revisão sistemática feito por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais, que avaliou as evidências da literatura a respeito dos efeitos da ventosaterapia sobre a dor crônica nas costas em adultos, publicado em 2018, este é um método promissor para o tratamento da dor crônica nas costas, problema que afeta cerca de 70% a 80% da população mundial e leva ao elevado uso de medicamentos e de recursos de saúde. A revisão identificou 611 estudos, dos quais 16 foram incluídos na análise qualitativa e dez, na análise quantitativa, realçando resultados positivos não apenas em variáveis comportamentais da dor, como também em parâmetros fisiológicos (1). 

O Mapa de Evidências da Efetividade Clínica da Ventosaterapia, trabalho inédito produzido pelo Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa (CABSIN) e o Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde (Bireme/OPAS/OMS), com apoio da Coordenação Nacional das Práticas Integrativas e Complementares de Saúde do Ministério da Saúde e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), sob a coordenação da pesquisadora clínica e doutora em Ciências, Raquel de Luna Antonio, confirma que a prática promove o alívio das dores crônicas em região cervical e lombar, bem como contribui para o tratamento da herpes zoster – condição dolorosa caracterizada por uma neurite aguda associada à erupção cutânea causada por uma reativação da infecção pelo vírus da varicela (catapora) – e da acne vulgar – caracterizada por nódulos, cistos, pápulas, comedões e/ou pústulas resultantes da obstrução e inflamação de folículos pilosos e glândulas sebáceas.

“Não houve nenhum estudo sem efeito ou com efeito negativo da ventosaterapia, ainda que a qualidade da evidência tenha sido majoritariamente baixa”, revela Luna, explicando que o processo de cura ou diminuição das dores resulta da capacidade que as ventosas têm de aumentar o fluxo sanguíneo até a região onde são colocadas, liberando o bloqueio de oxigenação do local afetado.

A equipe de pesquisadores envolvidos no mapeamento identificou 153 citações à ventosaterapia, em bancos de dados nacionais e internacionais, entre as quais 25 estudos atenderam aos critérios de inclusão do projeto. Os estudos, segundo Luna, foram desenvolvidos majoritariamente na China, no Irã e na Alemanha. A coordenadora do Mapa destaca a revisão sistemática com metanálise, coordenada por Holger Cramer,  atual presidente da Sociedade Internacional de Pesquisa em Medicinas Tradicionais, Complementares e Integrativas (ISCMR), do qual o CABSIN recentemente tornou-se Chapter Brazil. Cramer e um grupo de pesquisadores avaliaram o efeito da ventosaterapia para dor crônica, a partir de 18 estudos (2). “Nesta revisão, considerou-se estudos em que a intervenção da ventosaterapia se deu conjuntamente com recursos como acupuntura, fitoterapia, massagem e, também, drogas alopáticas sintéticas, incluindo ainda informações sobre atividade física e tratamento usual para dor crônica”, detalha. 

“Trata-se de uma revisão com alto nível de evidência, que verificou um efeito potencialmente positivo na redução da dor e melhora da capacidade funcional, a partir da aplicação da ventosaterapia”, complementa. Holger Cramer e um conjunto de pesquisadores já haviam identificado em outra pesquisa que a terapia parece ser um método seguro e eficaz para aliviar a dor e melhorar a função e a qualidade de vida em pacientes com cervicalgia crônica (3). 

A revisão sistemática com metanálise de Yuan com pesquisadores dedicados aos recursos tradicionais e integrativos, por sua vez, avaliou diversos recursos da Medicina Tradicional Chinesa para dor cervical e lombar (4). 

“Foram considerados estudos cuja intervenção com ventosaterapia se deu em conjunto com drogas alopáticas e atividade física. O nível de evidência foi moderado, mas mostra que a técnica ajuda a promover a redução da dor lombar e cervical tanto em homens quanto em mulheres”, realça Luna. 

Ela enfatiza que produzir evidências científicas é uma tarefa extremamente necessária, tanto para as Medicinas Tradicionais, Complementares e Integrativas (MTCI), que no Brasil são designadas pelo Ministério da Saúde pelo nome de Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), quanto para quaisquer outros recursos de diagnóstico e de tratamento convencionais e biomédicos. “As limitações de um estudo científico estão no desenho experimental pensado pelos autores, nos recursos disponíveis para desenvolver o estudo, na análise dos dados – nem todos os grupos de pesquisa contam com boas possibilidades de análise estatística – e, ainda, na própria publicação. Isso vale, obviamente, para os recursos das MTCI e qualquer outra ferramenta da biomedicina”, explica, completando que, nos casos dos recursos integrativos e complementares, há outra questão científica a ser considerada: 

“Na vida real, essas terapias não são utilizadas isoladamente ou de forma `sintomática’, o que implica desenhos de investigação bastantes complexos”. 

No caso da ventosaterapia, comumente utilizada com a acupuntura, a moxabustão e a fitoterapia, o desafio da pesquisa é fugir do paradigma cartesiano, por meio do qual isolam-se fatos e efeitos. Luna admite que as principais estratégias para que a prática se torne conhecida pela sociedade seja a comunicação e a divulgação científica. “Pois os estudos já apontam os benefícios para certas condições de saúde”, justifica. No âmbito da saúde pública, além da comunicação, ela faz defesa por mais financiamento e investimento nas MTCI.

Referências 

  1. Moura CC, Chaves ECL, Cardoso ACLR, Nogueira DA, Corrêa HP, Chianca TCM. Cupping therapy and chronic back pain: systematic review and meta-analysis. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2018;26: e3094. [Access 02-09-2022]; Available in: https://www.scielo.br/j/rlae/a/wHqRXxHjCC96prj9WCKQshN/?format=pdf&lang=pt. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1518-8345.2888.3094. 
  2. Cramer H, Klose P, Teut M, Rotter G, Ortiz M, Anheyer D, Linde K, Brinkhaus B. Cupping for Patients With Chronic Pain: A Systematic Review and Meta-Analysis. J Pain. 2020 Sep-Oct;21(9-10):943-956. doi: 10.1016/j.jpain.2020.01.002.
  3. Cramer H, Lauche R, Hohmann C, Choi KE, Rampp T, Musial F, et al. Randomized controlled trial of pulsating cupping (pneumatic pulsation therapy) for chronic neck pain. Forsch Komplementmed. [Internet]. 2011 [cited May 13, 2018];18(6):327-34. Available from: https://www.karger.com/Article/Abstract/335294 
  4. Iden Yuan QL, Guo TM, Liu L, Sun F, Zhang YG. Traditional Chinese medicine for neck pain and low back pain: a systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2015 Feb 24;10(2):e0117146. doi: 10.1371/journal.pone.0117146.