Apoiado em evidências científicas, o yoga, um dos mais antigos sistemas de cuidado da humanidade, é decisivo como terapia complementar no tratamento de doenças crônicas, câncer, dor, diabetes, transtornos mentais, hipertensão e doenças cardiovasculares

Redação: Katia Machado

Revisão (científica): Caio Portella, Ricardo Ghelman, Gelza Nunes

De tradição oriental, a prática do yoga se torna cada vez mais comum no mundo inteiro. O número de pessoas que buscam a atividade como forma de exercitar o corpo, se alongar e mesmo relaxar ganha enorme expressão nos últimos anos. O que poucos talvez saibam é que o yoga é muito mais que um conjunto de movimentos e posturas, que traz relaxamento, concentração, tranquilidade mental e fortalecimento do corpo físico. Trata-se de uma filosofia de vida, um sistema de cuidado multidimensional, que trabalha as emoções, ajuda as pessoas a agir de acordo com seus pensamentos e sentimentos e, sobretudo, contribui no tratamento de doenças crônicas, câncer, dor, diabetes, transtornos mentais, hipertensão e doenças cardiovasculares. 

Mapeamento das evidências clínicas da yoga, realizado pelo Consórcio Acadêmico Brasileiro de Saúde Integrativa (CABSIN) e o Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde (Bireme/Opas/OMS), como parte de uma série de levantamentos sobre a aplicação clínica das Práticas Integrativas e Complementares de Saúde (PICS), que fazem parte da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares do SUS (PNPIC), destaca que esta prática integrativa e complementar contribui para o cuidado de diferentes problemas de saúde, incluindo a melhoria da função psicológica e a qualidade de vida de pacientes com câncer de mama, de pessoas com esquizofrenia leve, sejam internadas ou em tratamento ambulatorial, e com doenças reumáticas.

 

Conhecimento científico em foco

Resultado da análise de 149 revisões sistemáticas de estudos clínicos, concentradas em grande parte na Índia, Estados Unidos e Austrália, o mapeamento científico verifica também os benefícios da yoga, como terapia adjuvante, na asma infantil, sobre os sintomas da menopausa, em pacientes vítimas da esclerose múltipla ou que sofreram um acidente vascular cerebral.

Mapa Yoga
Mapa de Evidências do Yoga

Uma das mais importantes revisões sistemáticas de  estudos clínicos revela que as intervenções de yoga demonstram ser benéficas para a redução da fadiga relacionada ao câncer, um dos efeitos colaterais mais frequentes e angustiantes relatados por sobreviventes de câncer. Estas pesquisas indicam que o yoga pode produzir efeitos revigorantes em mulheres com câncer de mama tanto na energia física quanto mental, e assim pode reduzir os níveis de fadiga (1). 

Em outra revisão sistemática, por sua vez, a terapia de yoga contribui como  um tratamento adicional útil para melhorar  a qualidade de vida de pessoas com esquizofrenia, inclusive naqueles pacientes estabilizados por antipsicóticos (2).

Pesquisa sobre o efeito do yoga no controle de  indicadores associados à síndrome metabólica, que abrange parâmetros como pressão arterial, nível de colesterol, nível de glicemia, nível de triglicérides e obesidade, ou seja, fatores de risco para as doenças cardiovasculares,  demonstrou efeito positivo clínico e laboratorial sobre a  glicemia de jejum, glicemia pós-prandial (após refeições), hemoglobina glicada (HbA1c) , nível do colesterol total e de suas frações HDL e LDL, triglicérides, assim como sobre o peso corporal e pressão arterial sistólica e diastólica (3).

Os agravos que podem ser amenizados com a prática do yoga, como  destaca o pesquisador coordenador do Mapa de Evidências Clínicas da Prática do Yoga, Danilo Santaella, mestre em Fisiopatologia Experimental e doutor em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), expressos no gráfico abaixo, são vários.

“Tivemos alguns grupos de evidências que demonstraram  influência positiva do yoga, independentemente do tipo de yoga descrito: na elevação da vitalidade, bem estar e qualidade de vida; nos distúrbios mentais, como depressão em adultos assim como depressão associada a gravidez, transtorno de ansiedade em todas faixas etárias, estresse pós-traumático, insônia e esquizofrenia leve; em doenças crônicas, como asma, hipertensão arterial, diabetes e dor crônica; e sobre variáveis metabólicas, como hipercolesterolemia”, resume Santaella.

Com base em pesquisa recente de grupos de pesquisadores da USP e do Instituto do Cérebro do Hospital Albert Einstein sobre os efeitos da prática respiratória do Yoga (Bhastrika pranayama) na ansiedade, afeto e conectividade funcional cerebral, verificou-se que o conjunto de exercícios de respiração de yoga (que recebe o nome de pranayama) diminuiu significativamente os estados de ansiedade e afeto negativo. A prática respiratória modificou a atividade das regiões cerebrais envolvidas no processamento emocional. De acordo com este estudo  científico, a ressonância magnética funcional no estado de repouso mostrou conectividade funcional significativamente reduzida, envolvendo as porções anteriores de ínsula e lateral do córtex pré-frontal, achado relacionado ao efeito ansiolítico do yoga (6).

Um outro estudo conduzido pelos pesquisadores demonstrou que o Yoga promove alterações psicofisiológicas positivas em mulheres pós-menopausa e pode ser aplicado como uma terapia complementar para essa população. A pesquisa envolveu 88 mulheres pós-menopausa, que se voluntariaram para um teste de 12 semanas sobre a prática do Hatha Yoga (7). 

Também apoiado em evidências científicas, o médico-cirurgião Cesar Deveza, especialista em sistemas médicos complexos  (Chinesa, Antroposófica e Ayurvédica) e pesquisador em neuropsiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), na área da  aplicação do yoga, reconhece que este recurso complementar e integrativo produz transformações bastante benéficas para o praticante e, também, para o ambiente ao seu redor.

“Afinal, você é reflexo do ambiente em que vive e de como vive. O yoga ensina o indivíduo a lidar com os mecanismos do sofrimento humano. Logo, se você não sofre pelas circunstâncias favoráveis ou desfavoráveis e entende seu papel como uma unidade que integra o universo, não há adoecimento”, ensina.

 

Yoga é para todas e todos

Vários estudos verificaram que a prática pode ser desenvolvida tanto por indivíduos saudáveis quanto por pessoas que possuem agravos de saúde, promovendo benefícios variáveis, independente se a frequência seja uma, duas ou cinco vezes por semana. Os pesquisadores envolvidos no Mapa de Evidências Clínicas da Yoga enfatizam, ainda, que a prática deve constar nos prontuários clínicos dos pacientes, permitindo assim o acompanhamento do quadro clínico do usuário, bem como o registro de dados para futuras pesquisas. “Os usuários devem ser informados sobre a oferta das práticas de yoga, tanto nas recepções das Unidades Básicas de Saúde, como devem ser encaminhados pelos profissionais de saúde para essas aulas. Grávidas devem ser encaminhadas, preferencialmente, para aulas de yoga específicas para gestantes”, sugerem. 

Como terapia complementar, é eficaz no cuidado de vítimas de violência, como mostra o capítulo ‘Uso de práticas complementares na abordagem à mulher em situação de violência’, do livro ‘Para Elas. Por Elas, Por Eles, Por Nós’, editora Folium (5). Ao revisarem 43 artigos  sobre a utilização das terapias complementares em situações de vulnerabilidade, com foco especial na população feminina, os autores do artigo verificaram que as terapias com yoga melhoram a qualidade de vida desta população, e ampliaram o entendimento da complexidade do diagnóstico da dor física intimamente relacionado ao estresse pós-traumático advindo da violência. 

Os pesquisadores do estudo, que fala sobre os sobreviventes de violência induzida por parceiro íntimo, evidenciaram que as técnicas de respiração do yoga, por si ou em combinação com a terapia em grupo, foram mais eficazes na redução dos sintomas depressivos do que o tratamento exclusivo das terapias em grupo convencionais.

Os resultados são também verificados entre os sobreviventes de terremotos, inundações e tsunamis, bem como entre os sobreviventes de guerra, que receberam alguma forma de Yoga durante o período pós-catástrofe. Eles mostraram diminuições consideráveis de estresse, ansiedade, agitação e insônia, sensação de melhoria de bem-estar e aumento no interesse pela psicoterapia. A inclusão da yoga entre encarcerados também evidencia a redução da hostilidade, do uso de álcool e entorpecentes, além do aumento da autoestima das detentas.

 

Yoga no SUS

A prática do yoga foi inserida na Portaria nº 719/2011 do Ministério da Saúde, que criou o Programa Academia de Saúde, com a promoção de práticas corporais e atividades físicas no SUS. Na sequência, em janeiro de 2017, a Portaria nº 145/2017 alterou os procedimentos na Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais do SUS para atendimento na Atenção Básica, incluindo o yoga.

Ainda em março de 2017, foi assinada a Portaria nº 849/2017, que legitimou plenamente a prática do yoga no SUS na segunda edição da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC/MS), reforçando a importância de atualização dos profissionais de saúde quanto ao conhecimento sobre esta ciência milenar e investimento na capacitação de profissionais em PICS.

Em Sacramento, município brasileiro do estado de Minas Gerais (MG), como exemplo, o yoga iniciou em agosto de 2019, com a ideia de integração dos usuários do SUS às novas metodologias de atenção à saúde. “As aulas eram feitas em grupos, com horários diversos, para que todas as pessoas pudessem ter acesso”, conta Samuel Gomide Ferreira, subsecretário municipal de Saúde de Sacramento (MG). 

http://www.ideiasus.fiocruz.br/portal/noticias/132-ideiasus-visita-a-cidade-mineira-de-sacramento-em-trabalho-da-curadoria
Yoga na Cidade de Sacramento – Reprodução IDEIASUS

Ele relata que o yoga vem contribuindo com a redução de ansiedades, a melhora no ciclo de sono dos pacientes, atuando sobre a flexibilidade, o alongamento, a força, o equilíbrio e o relaxamento. “Houve, também, relatos de melhora com pacientes diagnosticados com síndrome do pânico. De modo geral, vimos a melhoria em diversos aspectos na saúde e na vida dos usuários”, sublinha, contando que a prática é desde então bastante procurada pelos usuários do SUS, bem como os pacientes são encaminhados pelas unidades básicas de saúde, beneficiando não apenas os usuários como também os profissionais de saúde. “Devido à pandemia do Covid-19 e à necessidade de isolamento social, todas as atividades coletivas foram suspensas. Atualmente, estamos nos reorganizando para a volta das atividades, com todos os protocolos sanitários sendo respeitados”, anuncia.

As aulas de Yoga em grupo no Centro de Práticas Esportivas da USP (CEPEUSP), conforme relata Santaella, que além de pesquisador é também professor de Yoga, constituem um ambiente social, que permitem trocas de saberes e maior sentimento de acolhimento e pertencimento, contribuindo para o progresso físico, a qualidade de vida e a promoção da saúde (4). Portanto, é fundamental facilitar a disponibilidade de espaços para estas práticas coletivas, com ambientes asseados e bem ventilados, mesmo que seja em convênio com equipamentos sociais, como salões de associações de moradores, praças, e escolas do respectivo município.

Saiba mais sobre os Princípios do Yoga na Matéria Extra – “Um mergulho nos oito passos do Yoga”

Referências

  1. Sadja J, Mills PJ. Effects of yoga interventions on fatigue in cancer patients and survivors: a systematic review of randomized controlled trials. Explor J Sci Heal [Internet]. 2013;9(4):232– 43.
  2. Vancampfort D, Vansteelandt K, Scheewe T, Probst M, Knapen J. Yoga in schizophrenia : a systematic review of randomised controlled trials. 2012;12–20
  3. Vizcaino M, E-ryt MS, Stover E, Ryt BS. The effect of yoga practice on glycemic control and other health parameters in Type 2 diabetes mellitus patients : A systematic review and metaanalysis. Complement Ther Med [Internet]. 2016;28:57–66.
  4. Santaella, Danilo Forghieri; Afonso, Rui; Siegel, Pamela. Mapa de evidências – efetividade clínica da prática do Yoga / Evidence Map: clinical efectiveness of yoga São Paulo; s.n; 2020. 24 p. 
  5. Para Elas. Por Elas, Por Eles, Por Nós / Elza Machado de Melo, Victor Hugo de Melo (organizadores). – Belo Horizonte: Folium, 2016. 298 p. : il. (Coleção Promoção de Saúde e Prevenção da Violência; v. 2)
  6. Novaes MM, Palhano-Fontes F, Onias H, Andrade KC, Lobão-Soares B, Arruda-Sanchez T, Kozasa EH, Santaella DF, de Araujo DB. Effects of Yoga Respiratory Practice (Bhastrika pranayama) on Anxiety, Affect, and Brain Functional Connectivity and Activity: A Randomized Controlled Trial. Front Psychiatry. 2020 May 21;11:467. doi: 10.3389/fpsyt.2020.00467. PMID: 32528330; PMCID: PMC7253694.
  7. Jorge MP, Santaella DF, Pontes IM, Shiramizu VK, Nascimento EB, Cabral A, Lemos TM, Silva RH, Ribeiro AM. Hatha Yoga practice decreases menopause symptoms and improves quality of life: A randomized controlled trial. Complement Ther Med. 2016 Jun;26:128-35. doi: 10.1016/j.ctim.2016.03.014. Epub 2016 Mar 22. PMID: 27261993.